Obras de arte

“A última ceia”, 1495-98, Leonardo da Vinci

“Tendo Jesus dito isto, turbou-se em espírito, e afirmou, dizendo: Na verdade, na verdade vos digo que um de vós me há de trair. Então os discípulos olhavam uns para os outros, duvidando de quem ele falava. Ora, um de seus discípulos, aquele a quem Jesus amava, estava reclinado no seio de Jesus. Então Simão Pedro fez sinal a este, para que perguntasse quem era aquele de quem ele falava. E, inclinando-se ele sobre o peito de Jesus, disse-lhe: Senhor, quem é? Jesus respondeu: É aquele a quem eu der o bocado molhado. E, molhando o bocado, o deu a Judas Iscariotes, filho de Simão”. (João, 13:21-26)

“E, comendo eles, disse: ‘Em verdade vos digo que um de vós me há de trair’. E eles, entristecendo-se muito, começaram cada um a dizer-lhe: ‘Porventura sou eu, Senhor?’ E ele, respondendo, disse: ‘O que põe comigo a mão no prato, esse me há de trair'”. (Mateus, 26: 21-23).

Foi este momento específico do episódio bíblico que Leonardo da Vinci escolheu representar na obra encomendada para decorar o refeitório do monastério do complexo que compreende a igreja Santa Maria delle Grazie, em Milão, no final do séc. XV. O episódio da Última Ceia era tradicionalmente escolhido para ser representado nas paredes dos refeitórios dos monastérios e conventos.

As reações dos doze apóstolos davam a Leonardo a possibilidade de explorar a dramaticidade e a teatralidade na figura de cada um. Alguns estão surpresos, outros indignados, outros se apressam em declarar inocência, e apenas um não manifestou reação nenhuma: o autor da traição anunciada.

O artista reuniu as 12 figuras em quatro grupos de três, usando o recurso de proximidade e distanciamento. Veja na figura abaixo quem são:

A última ceia, 1495-98, Leonardo da Vinci. Pintura mural (óleo, têmpera e outros materiais). Refeitório da igreja Santa Maria delle Grazie, Milão.

 

As reações, que se manifestam nos corpos e nos gestos, contrastam com o cenário em perspectiva em perfeita harmonia, que concentra na cabeça de Jesus o ponto de fuga da estrutura. É esse ponto de define o traçado do ambiente, as tapeçarias nas paredes e o quadriculado do teto.

O efeito da perspectiva faz o olhar estender-se em profundidade na composição e ir além, passando pelas janelas e chegando à paisagem em último plano. Dessa forma, o observador mergulha na pintura, o que deve ter impressionado os monges que ali faziam suas refeições: o ambiente da ceia santa se mistura ao ambiente real do refeitório, ao mesmo tempo em que projeta o olhar para a figura do Cristo, elaborada em formato piramidal, muito apreciado pelos renascentistas.

O estado de conservação ruim se deve, em parte, pela técnica escolhida. Leonardo era um inventor, gostava de fazer novas experiências, e não dominava a técnica do afresco. Diferentemente de uma pintura sobre tela ou madeira, a camada pictórica de um afresco é aplicada sobre a parede ainda úmida (“a fresco“), de forma que a tinta e misture à última camada do reboco. Assim, a camada de tinta é mais sólida e resistente ao tempo. Leonardo preferiu usar óleo e têmpera, pois são materiais que permitem repensamentos e correções ao longo do processo. Diz a crônica que ele observava a obra por horas, dava duas ou três pinceladas, e ia embora.

Há registros do mau estado de conservação já em 1517, menos de vinte anos após sua conclusão. Ao longo dos séculos, sofreu diversas intervenções de restauro, algumas mais, outras menos bem-sucedidas, e entre uma e outra, algumas novas intempéries, como o bombardeamento da porta leste em 1943 e a poluição atmosférica provocada pelo excesso de automóveis nos anos 1960 e 1970. O último restauro durou de 1977 a 1999.

Hoje é possível visitar o antigo refeitório de Santa Maria delle Grazie em Milão, reservando um horário pela internet (com uma certa antecedência), numa visita que dura exatos 15 minutos. A dica de sempre é: se for visitá-la, aproveite cada um desses minutos, não perca tempo tirando fotos. Se puder, pegue um áudio-guia.

Você também pode gostar...

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *