Muita gente se pergunta, e me pergunta: o que diabos está por trás da Mona Lisa? Por que é tão especial? Como um simples retrato pintado, gênero comuníssimo da Antiguidade até o surgimento da fotografia, se transformou na obra de arte mais conhecida, comentada, divulgada, copiada, estudada, polemizada, reproduzida, satirizada, etc. etc. etcetera ?
Bom, eu não tenho todas as respostas, mas posso compartilhar algumas curiosidades com vocês. São questões interessantes para pensar, e este é realmente um quadro do qual podemos falar por horas, então aqui vou deixar de lado a análise da pintura para falar de outros aspectos da obra, ok?
O mito da Mona Lisa foi se construindo ao longo do tempo. Não é a melhor obra de arte já feita (aliás isso não existe na História da Arte), não é o retrato mais excepcional já pintado. A sua fama não deriva de um dado técnico, embora ela traga inovações técnicas fundamentais, como o sfumato e a composição do quadro. Também não deriva do impacto ao vê-la de perto, já que se trata de um quadro relativamente pequeno, nem do seu autor, já que há outras pinturas de Leonardo da Vinci no próprio Louvre igualmente importantes. Nem de possíveis mensagens secretas por trás do seu sorriso (desculpe, Dan Brown). É de poucas informações e lendas que surge um mito pois, quanto menos se sabe, mais se imagina. Cuidado com os mitos, #ficaadica.
Quem
O retrato era uma encomenda a Leonardo da Vinci (1452-1519) de Francesco del Giocondo, um rico comerciante de Florença, e a retratada seria sua esposa Lisa Gherardini. Daí vem os dois nomes pelos quais a obra é conhecida: La Gioconda (a esposa do Giocondo) e Mona Lisa – Senhora Lisa, no italiano arcaico.
Acontece que estudos muito recentes identificaram, numa camada inferior da pintura, uma imagem bem diferente daquela que conhecemos. O historiador francês Pascal Cotte, responsável pelas novas análises, usou tecnologias modernas para identificar e reconstruir o que seria outro retrato, que ele considera a representação da verdadeira Lisa Gherardini. O retrato que conhecemos seria, de acordo com a sua teoria, de outra pessoa.
Essa investigação encontrou outras variações que já não eram mais visíveis devido ao tempo, como detalhes do véu, dos cabelos e da estampa do vestido, e ainda as cores originais da pintura, que perdeu muito da vivacidade e atualmente tem sua superfície dominada por tons de verde e marrom.
Onde
A obra foi pintada em Florença entre 1503 e 1506 e, apesar de ter sido uma encomenda, Leonardo nunca a entregou ao comitente. Levou-a consigo para a França, quando em 1516 foi para a corte do rei Francisco I. Não parece consenso se o rei da França a comprou ou se o artista doou-a à Coroa francesa antes de morrer. De qualquer forma, foi por ter estado esses 3 últimos anos de vida na França que a obra passou a fazer parte da coleção real, que foi transferida para o Museu do Louvre após a Revolução Francesa.
Hoje, no Louvre, é uma das principais atrações. Talvez também seja a obra de arte mais bem protegida de um museu: um painel de vidro à prova de balas, um balcão de madeira fixo que separa o público em uns 2 metros, e faixas flexíveis (como aquelas de fila de banco) que dão mais espaço ainda. Ah, e seguranças. Pelo menos dois.
E precisa de tudo isso?
Bom, é aí que começa a fama peculiar da Mona Lisa. Em 1911, a obra foi roubada do Louvre por um ex-funcionário, Vincenzo Peruggia, que pensava que a obra tinha sido levada da Itália como botim de guerra dos exércitos napoleônicos. Nessa época, nem a obra era muito conhecida, nem a segurança do museu era lá essas coisas.
O governo francês, então, passou a divulgá-la de todas as formas, para que fosse identificada como o quadro roubado. Essa estratégia de publicidade foi o primeiro pontapé para a fama da pintura. Diz-se que as pessoas iam até o museu para ver de perto a parede vazia que abrigaria a famosa obra roubada. A Mona Lisa foi recuperada dois anos depois e o ladrão foi preso, após tentar vender a obra ao governo italiano por 95 mil dólares.
Em 1956, ela sofreu outros dois atentados, um por ácido e em outro foi atingida por uma pedra. Em ambos os casos a pintura sofreu danos e precisou ser restaurada. Nos anos seguintes, a obra passou a ser cobiçada por museus de outros países, que passaram a pedi-la emprestada. O prêmio do seguro fora avaliado, então, a 100 milhões de dólares. Daí para a frente, a fama multiplicou-se junto com o valor estimado da obra, até o ponto em que, hoje, estimar quanto ela vale não é mais possível.
Pintor ou gênio
A pintura tornou-se tão famosa que superou a fama do seu autor. Leonardo da Vinci tinha inúmeras habilidades, que iam muito além da pintura: era engenheiro e inventor, um curioso nato, ávido por entender como funcionavam os mecanismos da natureza e reproduzi-los nas próprias construções, que iam de máquinas de guerra a engenhocas para voar. Deixou curiosas e importantes contribuições para a ciência e as artes.
As técnicas aplicadas na Gioconda foram inovadoras e influenciaram gerações, mas Leonardo também tinha pontos fracos. A famosa Última Ceia, obra do artista na parede da igreja Santa Maria delle Grazie em Milão, é o resultado de uma experiência malsucedida. Ele não usou a tradicional técnica do afresco (quando a tinta é aplicada em uma fina camada de gesso conservando a coloração por muito mais tempo) mas pintou diretamente sobre a parede. Hoje a pintura está em péssimas condições de conservação, longe do alcance das técnicas atuais de restauro.
“Fui ver a Mona Lisa e nem achei tudo isso”.
Essa obra é um exemplo ótimo para entender que, na Arte, são muitos os fatores que determinam os valores de uma obra: valores no plural, pois o valor pode ser histórico, artístico, documental, monetário e até mesmo afetivo.
O espaço que a Mona Lisa ocupa no imaginário das pessoas faz que elas, ao visitarem a obra no Louvre, esperem alguma espécie de epifania ou visão divina, ou um quadro monumental que lhes tire o fôlego, ou uma mulher estonteante. Como eu disse, trata-se de um quadro relativamente pequeno (e talvez aquela muralha que criaram para abrigá-la a faça parecer ainda menor), que perdeu muito das suas cores originais, e entre ela e o observador tem inúmeros obstáculos, prejudicando muito a sua contemplação.
Acima de tudo, é importante entender que o valor inestimável da Mona Lisa é composto dessas várias camadas de tinta e de história e, que se faça justiça, pertencem também ao seu autor, um dos homens mais brilhantes da história da humanidade – e brilhante não significa impecável. A História ensina que mesmo os ditos “gênios” colecionam acertos e erros. Você pode não gostar da pintura (e está tudo bem!), achar que ela não é tudo isso (e está tudo bem!), só não pode achar que ela não tem valor. Isso, como se diz hoje em dia, é uma questão de fato, não de opinião.
A Gioconda foi referência a gerações de artistas por séculos, é um registro um momento importante da retratística renascentista e da obra de Leonardo, é uma fonte fundamental para estudar a técnica do sfumato que ele criou.
A dica é: se for a Paris, vá ao Louvre; se for ao Louvre, vá ver a Mona Lisa. E não se assuste com a multidão em frente ao quadro, pois 90% das pessoas que estão lá não vão ficar mais que 10 segundos – o tempo de uma selfie. Espere 2 ou 3 minutos, aproxime-se até onde é possível e observe, pelo tempo que for necessário.