Exposições

Exposição “Histórias das mulheres. Histórias feministas” no MASP

Quantas artistas mulheres você conhece?

O ambiente artístico brasileiro do século XX é uma exceção no cenário mundial. Duas artistas mulheres ganharam fama e reconhecimento durante sua carreira e são lembradas, até hoje, como dois ícones da arte moderna brasileira: Anita Malfatti, a grande precursora da arte moderna no Brasil, e Tarsila do Amaral, que combinou nas telas a herança plástica das vanguardas históricas europeias com os temas e cores brasileiros.

De uma certa forma, a historiografia da arte brasileira do século passado foi um ponto fora da curva. O que vemos na maioria dos centros de produção artística no resto do mundo, assim como no Brasil pré-Semana de 22, é o predomínio massivo de homens que pintam, esculpem, desenham, projetam, fotografam e escrevem, teorizam e discutem sobre arte.

Isso não significa que não havia mulheres produzindo arte. Assim como nos outros setores da sociedade, às mulheres não era dado pintar, esculpir, desenhar, a não ser no que se referisse a adquirir habilidades para fazer um bom casamento, único destino possível e aceitável para o sexo feminino em quase qualquer sociedade em quase qualquer momento da história.

Isso não significa que todas se resignaram a esse papel e é isso que a exposição “Histórias das mulheres. Histórias feministas” apresenta ao visitante. Nas últimas décadas, os estudos de gênero vêm revelando as mulheres artistas que foram invisibilizadas nas suas épocas e aquelas que obtiveram sucesso com seus ofícios mas foram ignoradas pela historiografia da arte.

É o caso de Lavinia Fontana (1552-1614), que se casou com o também pintor Gian Paolo Zappi com a condição de que pudesse continuar pintando. O marido acabou abandonando a própria carreira para trabalhar como assistente no ateliê da esposa e para cuidar dos onze filhos do casal. A artista integrou a Academia di San Luca em Roma, uma das mais importantes escola de belas artes da Itália naquele momento, e é considerada a primeira artista a ter trabalhado no círculo de pintores do Renascimento.

Retrato de uma nobre da família Gonzaga ou San Vitale, Lavinia Fontana, óleo s/ tela, sem data.

A história da francesa Elisabeth Louise Vigée Le Brun (1755-1842) permeia várias esferas de reflexão. Ocupou o cargo de “primeira pintora” da rainha Maria Antonieta (1755-1793) e foi admitida na Academia francesa em 1783 quando isso era raro. Após a Revolução Francesa ela manteve-se fiel aos seus ideais monárquicos e acabou abandonando a França para trabalhar em outras cortes europeias. No Autorretrato com chapéu de palha, ela representa a si mesma em pose e roupas exuberantes, como a artista bem-sucedida da corte francesa que era quando realizou a pintura. Em seu ateliê colaborou outra artista presente na exposição, Marie-Guillemine Benoist (1768-1826), que também foi aluna do pintor oficial da corte de Napoleão Bonaparte, Jacques-Louis David (1748-1825).

Autorretrato com chapéu de palha, Elisabeth Louise Vigée Le Brun, óleo s/ tela, 1782.

Outro mérito da exposição do MASP é colocar a produção de rendas e bordados exposta ao lado de pinturas, rompendo com a barreira construída entre as chamadas “belas artes” e o artesanato, considerado uma arte menor ou mesmo nem considerado arte nessa hierarquia de valores. Em diversas partes do mundo, como exposto, a produção de rendas e bordados era dominada pelas mulheres e foi intensamente explorada comercialmente, enquanto as autoras dessas obras permaneceram anônimas.

Detalhe do Xale de noiva, fio de seda sobre tecido de algodão, final do século 19, Pujob, Índia e atual Paquistão.

No 1o subsolo, a visita continua com histórias de a partir dos anos 2000, onde a presença feminina dá lugar à presença feminista. No século XXI, a luta feminista consolidou-se um grande guarda-chuva que engloba como a luta contra a misoginia, isto é, contra a aversão a tudo que se conecta ao universo do feminino, incluindo os universos lésbico, gay, trans e queer.

As histórias são variadas e revelam fatos da história da arte tão incomuns para os nossos sentidos acostumados com as narrativas masculinas, que ler os textos curatoriais torna-se tão importante para a visita quanto ver as obras. Afinal, o objetivo da exposição parece, de fato, fazer das obras o meio para contar essas “Histórias das mulheres”, histórias apagadas da História e que vão sendo recuperadas, pouco a pouco.

Você também pode gostar...

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *